sábado, 8 de junho de 2013

A paixão de ensinar

Lembro-de de, aos 5 anos, ir para a escola primária ao lado da minha casa pintar desenhos (não, não frequentei infantário).
Lembro-me de ter feito na escola primária uma composição com o título "Quando for grande quero ser professora".
Lembro-me de ter tentado ensinar o meu a pai a escrever o seu nome, ainda que sem sucesso.  :)
Lembro-me de ficar sempre fascinada quando chegava setembro e aproximava-se o início de mais um ano letivo, adorava o cheiro a novo dos manuais escolares, percorria com olhos sedentos de saber as suas páginas ainda por estudar e a compra do material escolar era um daqueles acontecimentos!
Lembro-me de ter sido tia aos 4 anos de idade e, desde aí, as crianças foram uma constante na minha vida, como tia, prima, babysitter, animadora, professora e mãe (sim, por esta ordem!).
Lembro-me de, passado um ano letivo, fazer durante as férias todos os exercícios dos manuais, que não tinham sido terminados, e de seguida corrigi-los, com muito orgulho e com uns enoooormes certos (ou errados!) a vermelho.
Lembro-se de achar que a minha professora primária era a maior!
Lembro-me de olhar para cada professor como alguém que realmente era apaixonado pelos seus alunos e só assim nos conseguia transmitir tantos conhecimentos.
Lembro-me da minha mãe dizer-me, todos os dias, mas mesmo TODOS os dias para eu ir estudar.
Lembro-me de estar a estudar as categorias taxonómicas (que na altura se iniciava no 7º ano) e da minha mãe, que tem apenas a 3ª classe, estar a verificar se eu estava a dizer bem, lendo também no livro.
Lembro-me da minha mãe ficar a dormir no sofá enquanto eu tinha a luz acesa do quarto, pois estava a estudar. E ela só se deitava quando eu me deitava também dava assim por terminado o estudo.
Lembro-me de ter ido fazer, no 9º ano, aqueles testes de aptidão para me ajudar na escolha da área, sobre a qual eu já não tinha a menor das dúvidas.
Lembro-me de adorar as aulas de laboratório.
Lembro-me de apanhar o autocarro ainda de noite e das aulas das 8.30h numa manhã gelada de inverno.
Lembro-me de me levantar às 6h da manhã para estudar para os exames finais de 12º ano e que abririam, ou não, a porta para a universidade e para o tão desejado curso de professora.
Lembro-me de, no último dia em que tive exame, ter vindo para casa com a consciência de que tinha dado o meu melhor, lembro-me de me ter deitado na cama e de ter dormido quase o resto do dia.
Lembro-me de ter ido de Lagos a Faro, de comboio, ver os resultados da entrada na universidade. Não me recordo ao certo da palavra que li na pauta, de momento só me ocorre "colocado" (nem imagino porquê...). Recordo-me sim de verificar que Beja estava à minha espera.
Recordo-me da viagem, de comboio e automotora, de Lagos a Beja, para fazer a matrícula e pensar, ao ver tanto chaparro e tanta planície, "onde é que eu me vim meter?".
Lembro-me de chorar na primeira noite em Beja.
Lembro-me de passar 5 dos melhores anos da minha vida naquela bela cidade alentejana e de sair de lá com o desejo de criança cumprido: SER PROFESSORA.
Lembro-me de enviar uma centena de currículos para colégios e afins porque a colocação numa escola pública era uma miragem, pelo menos no início.
Lembro-me da primeira vez que preenchi um documento qualquer e na parte da profissão escrevi "professora".
Lembro-me do telefonema (sim, porque naquela altura ainda se faziam estes telefonemas) da diretora da primeira escola onde obtive colocação: "Não sei se sabe, mas foi colocada!". Fiquei em êxtase e fui, finalmente, comprar um daqueles livros onde se escreve o nome dos alunos e se colam as suas fotografias. Está ali na estante... Eles foram os meus primeiros alunos. Adoro cada aluno que tenho, com eles sinto-me completa. Posso estar a meio do pior dia da minha vida, mas quando entro na sala de aula... aquelas crianças esperam o melhor de mim, esperam o meu melhor sorriso, esperam o meu "bom dia, estão bons?".  Aquela aula que eu vou dar poderá ser o melhor momento do dia de algum dos meus alunos, pois grande parte deles não tem uma vida de sorrisos. E eu espero deles a sua energia, a sua inocência, a sua confiança em mim. Não os posso desiludir e penso nunca o ter feito.
Sempre disse que, se não conseguisse ser professora, não teria problemas em assumir outra profissão. Continuo a dizê-lo, cada vez mais com o coração apertado, é certo... Penso que não sei mesmo fazer outra coisa, penso que nasci mesmo para isto e penso que só se é professor quando se tem PAIXÃO e nada menos do que isso permitiria tamanhos sacrificios que só nós, professores, sabemos quais são.
Após a primeira colocação (que durou apenas uns meses), fiquei quatro anos sem colocação. Não adiei a minha vida... fui animadora, dei explicações (e ainda dou!), comprei casa, fui mãe e quando o meu filho acabava de completar um ano de idade... fui novamente colocada! Desta vez já não recebi um doce telefonema, mas sim um email (acho que ainda o tenho guardado). Simples e eficaz, causador de uma alegria imensa. Mais uma vez, e à semelhança do que tinha acontecido quando entrei em Beja, primeiro vi que tinha ficado colocada e passados uns minutos de pulos e saltos é que vi o local... Monte Gordo... Ok... Vamos lá, viagens de uma ponta à outra deste meu Algarve! Nada que me chateasse muito, adoro conduzir e quando conduzo sozinha tenho os meus períodos de reflexão. A A22 ainda não tinha portagens, ainda tinha um carro a gasolina e a palavra "crise" ainda estava fechada no dicionário. Não, o estado não nos paga as deslocações (para aqueles que não sabem...).
Seguiram-se Silves, Portimão, Quarteira e Olhão. Mais uma vez, adorei todos os alunos que tive até hoje e estive sempre rodeada de colegas maravilhosos.

Hoje, dia 7 de Junho de 2013, dia em que se iniciam, em muitas escolas deste triste país, uma luta há muito começada e que nunca irá terminar. Uma luta pela escola pública, uma luta pelo futuro dos nossos filhos, dos nossos alunos. O dia em que se iniciam as tão faladas greves às avaliações e aos exames nacionais. Aquele greve que ninguém quer fazer, porque se a estamos a fazer é porque as coisas não estão bem (nada bem!), aquela greve que se torna na única alternativa de luta. Aquela greve que muitos colegas diziam que era a única que resultaria. A ver vamos...

Este ano já não tive colocação. Não sei quando poderei receber outro email a dizer que fui colocada, talvez quando isso acontecer... avisem de outra forma, ainda mais sofisticada. Sim, porque deverá ser algo a acontecer daqui a muuuuuuito tempo... infelizmente.

Dou AECs desde 2008. Gosto das AEC, "matam" o bichinho de ensinar... bem, na verdade não matam, apenas o deixam em coma... não é mesma coisa, é certo. Nas escolas, ainda não somos tratados da mesma forma. Não me importo muito com isso, não sou de estatutos, nem nunca fui. Continuo a adorar os meus alunos e eles a mim e isso ninguém me tira.

Dou explicações desde 2003. Sei que sou útil para os "meus" meninos. Sei que sou uma ajuda preciosa nos seus estudos e para os seus pais, na azáfama do dia a dia. Algumas pessoas menosprezam esta minha missão (sim, considero uma missão) inclusivé alguns pais e alguns colegas. Só eu sei a importância que tenho... Cada vez mais as crianças vêm com 1001 dúvidas da escola... porque não deu tempo para perguntar ao professor, porque a turma tem 30 alunos, porque há muita matéria para dar. Cada vez mais as crianças trazem TPCs sobre matérias que nem abordaram na aula... porque não há tempo, porque a turma tem 30 alunos, porque há muita matéria para dar, porque os exames estão a chegar...

Não posso, nunca, deixar de lutar por aquilo que me alimenta o coração desde tenra idade. Não posso deixar morrer o meu sonho. Certa de que sou uma boa professora e uma excelente profissional, não posso, mas não posso mesmo, deixar que tudo se dilua em políticas violentas e corruptas.

Chamem-me utópica. Deixem-me estar... eu, a minha utopia, a minha paixão, os meus alunos e os momentos únicos que vivo com eles.






1 comentário:

  1. Eu lembro-me de adorar, como tu, o cheiro dos livros novos. Ainda hoje adoro.
    Lembro-me de sentir um terror autêntico quando a minha prof da primária subia as escadas para o primeiro andar onde sempre tive aulas. Ela gostava de bater. Mas acho que por causa dela que aprendi a ler bem, e a gostar de ler.
    :)

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